O texto aborda a atuação do Banco Central do Brasil (BCB) na defesa da concorrência entre instituições financeiras, destacando sua missão de promover um sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo.
É apresentada a evolução normativa relacionada à atividade de análise de atos de concentração entre instituições financeiras e apresentados dados históricos sobre processos de fusão e aquisição, destacando a evolução dos indicadores de concentração econômica e a adaptação do BCB às mudanças normativas e tecnológicas.
Evolução normativa
A missão institucional do BCB é “garantir a estabilidade do poder de compra da moeda, zelar por um sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo, e fomentar o bem-estar econômico da sociedade”. Para o cumprimento dessa missão, o BCB realiza, dentre outras atividades, a análise de atos de concentração entre instituições financeiras (IF). Historicamente, a atuação do BCB nessa esfera reflete os esforços direcionados à promoção da eficiência econômica e à preservação da estabilidade do sistema financeiro.
A base legal para a atuação do BCB em processos de análise de atos concentração está estabelecida no art. 10, inciso X, alínea c, da Lei nº 4.595, de 31.12.1964, que fornece competência ao BCB para conceder autorização às IF, a fim de que possam ser transformadas, fundidas, incorporadas ou encampadas, bem como no art. 18, §2º, da mesma Lei, que estabelece que o BCB, no exercício da fiscalização que lhe compete, regulará as condições de concorrência entre IF. Posteriormente, houve a edição da Lei nº 8.884, de 11.6.1994, substituída pela Lei nº 12.529, de 30.11.2011 (Lei de Defesa da Concorrência), com a estruturação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) e a consolidação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) como a principal autoridade antitruste no Brasil.
Para dirimir dúvidas dos agentes de mercado em relação à qual autarquia remeter os documentos relacionados a pedidos de autorização para realização de atos de concentração, em 5.12.2018, o BCB e o CADE publicaram o Ato Normativo Conjunto nº 1, no qual estabeleceram que os atos de concentração econômica de instituições financeiras devem ser submetidos tanto ao BCB quanto ao CADE, que os examinarão de forma independente, em processos próprios, observados os prazos e condições previstos na legislação que disciplina a atuação de cada uma das autarquias. No BCB, o Departamento de Competição e de Estrutura do Mercado Financeiro (Decem) é a unidade competente para recepcionar e analisar atos de concentração, submetendo parecer para a decisão do Diretor de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução (Diorf) ou para a Diretoria Colegiada, conforme disposto no Regimento Interno do Banco Central do Brasil, anexo à Resolução BCB nº 340, de 21.9.2023.
Os critérios para a análise de atos de concentração de instituições financeiras pelo BCB foram detalhados na Circular nº 3.590, de 26.4.2012. Esse normativo fixa, no seu primeiro artigo, que deverão ser submetidos ao BCB os atos de concentração que envolvam, direta ou indiretamente, instituições financeiras e demais entidades que se submetam às regras da Lei nº 4.595, de 1964. São entendidos como atos de concentração, de acordo com a Circular, a transferência de controle societário, as operações de incorporação, aquisição, fusão, transferência de negócio e a celebração de contratos ou criação de estruturas societárias com vistas à cooperação no setor financeiro.
Logo após a edição da Circular nº 3.590, de 2012, o BCB publicou o Comunicado 22.366, de 27.4.2012, por meio do qual divulgou o Guia para Análise de Atos de Concentração (Guia) no sistema financeiro, documento que contém a descrição dos conceitos e dos principais procedimentos que a autarquia adota na análise de atos de concentração econômica. A finalidade do Guia é orientar os agentes de mercado quanto à metodologia e às etapas a serem observadas no exame concorrencial, à luz da eficiência e do desenvolvimento tecnológico ou econômico.
A partir da publicação do Guia, o BCB passou a identificar mercados relevantes na análise de atos de concentração, sendo o conceito de mercado relevante entendido como o menor grupo de produtos ou de serviços e a menor área geográfica necessários para os quais um suposto monopolista esteja em condições de impor um pequeno, porém significativo e não transitório aumento ou uma redução de preços. Atualmente, na metodologia produto-a-produto, o BCB define 31 mercados relevantes, dos quais vinte são de crédito, três são de depósitos bancários, dois são de operações de corretagem, um é de distribuição de produtos de investimento e cinco são de emissão e oferta de títulos patrimoniais e de dívida.
Vale dizer que, embora as cooperativas de crédito se enquadrem como IF submetidas às regras da Lei nº 4.595, de 1964, o BCB editou a Instrução Normativa BCB nº 28, em 19.10.2020, na qual resolveu que deverão seguir os procedimentos estabelecidos na Circular nº 3.590, de 2012, apenas os atos de concentração entre cooperativas de crédito nos quais tanto a instituição adquirente como a adquirida tenham registrado em seu último Balanço Patrimonial Analítico saldo superior a R$3 bilhões no título contábil “Operações de Crédito”, conforme o Elenco de Contas do Padrão Contábil das Instituições Reguladas pelo Banco Central do Brasil (Cosif).
Quantidade de atos de concentração analisados pelo BCB no período 2002-2024
Considerando-se o período compreendido entre janeiro de 2002 e dezembro de 2024, foram analisados 127 processos relacionados a operações consideradas capazes de alterar a participação relativa das instituições financeiras ou demais instituições autorizadas a funcionar pelo BCB nos segmentos do mercado em que atuavam.
Dentre esses processos, 97 se referiam a solicitações de autorização para a realização de operações de fusão ou aquisição (F&A) – duas operações de fusão e 95 de aquisição –, nove se referiam a solicitações de transferência do negócio, três estavam relacionadas a pedidos de cisão, três a propostas de formação de joint ventures, seis a acordos de associação e nove a análises que não se configuravam como atos de concentração como, por exemplo, consultas de órgãos externos e avisos de prestação de serviços entre instituições financeiras. Os anos nos quais o BCB examinou mais processos foram 2003 e 2021, com os totais de 11 e 16 processos analisados, respectivamente, e o ao no qual analisou menos foi 2005, quando houve apenas um pedido de autorização (Graf. 1).

Gráfico 1: Quantidade de atos de concentração analisados pelo BCB, por tipo de operação
As operações de F&A foram as mais frequentes dentre os pedidos de autorização para realização de atos de concentração encaminhados ao BCB. Duas se classificaram como operações de fusão: 1. Fusão entre o Banco Itaú Holding Financeira S.A. e o Unibanco – União de Bancos Brasileiros S.A. que originou o Itaú Unibanco S/A; e 2. fusão entre a Spinelli S.A. Corretora de Valores Mobiliários e Câmbio e a Concórdia S.A. Corretora de Valores Mobiliários, Câmbio e Commodities, que originou a Necton Investimentos S.A. Corretora de Valores Mobiliários e Commodities.
As operações de aquisição, por sua vez, envolveram 42 instituições financeiras como adquirentes (em uma ou mais operações) e 94 instituições financeiras como adquiridas (também em uma ou mais operações), ao longo do período analisado (2002-2024). As principais instituições adquirentes foram aquelas classificadas no segmento b1, que somaram 78 aquisições no período. A partir de 2014, algumas instituições classificadas no segmento n2 participaram de doze aquisições e se tornaram as segundas instituições com mais aquisições no período, sendo os seus principais alvos outras instituições do segmento n2 (Graf. 2).

Gráfico 2: Quantidade de aquisições por segmento (2002 – 2024)
Nota: 1. Cada quadrante apresenta a quantidade de aquisições feitas por instituições financeiras classificadas nos segmentos indicados nos respectivos títulos. A quantidade de instituições adquiridas em cada ano é indicada pelas barras coloridas, sendo que cada cor representa o segmento no qual a instituição adquirida estava classificada, conforme indicado na legenda; 2. Os segmentos representam as seguintes instituições financeiras; b1: bancos comerciais, os múltiplos com carteira comercial e as caixas econômicas; b2: bancos múltiplos sem carteira comercial, os bancos de investimento e os bancos de câmbio; b4: bancos de desenvolvimento; n1: instituições não bancárias atuantes no mercado de crédito; n2: instituições não bancárias atuantes no mercado de capitais; e n4: instituição de pagamento.
O Gráfico 2 revela ainda que a maior parte das operações de aquisições envolveu como adquiridas as instituições classificadas no segmento b1. Foram 48 operações, sendo que em apenas quatro a adquirente era de um segmento diferente do b1. As instituições classificadas no segmento n2 ficaram em segundo lugar em número de instituições adquiridas, com 33 operações ao longo de todo o período, com a maioria (27 operações) ocorrendo após 2014. Em 20 dessas operações as instituições adquirentes eram do segmento b1 e em 11 as instituições adquirentes eram do segmento n2, que são os segmentos que mais participaram como adquirentes de maneira geral.
Não obstante a aprovação dessas operações, os indicadores de concentração calculados para os mercados relevantes de ativos, depósitos e operações de crédito vêm apresentando reduções consistentes entre dezembro de 2015 e dezembro de 2024, como se nota do Gráfico 3, revelando que a atuação do BCB na atividade antitruste tem se pautado pela promoção da eficiência econômica e pelo bem-estar econômico da sociedade.

Gráfico 3: Evolução do IHH normalizadoii (2015-2024)
Conclusão
Ao longo das décadas, o BCB se adaptou às mudanças normativas e institucionais, trabalhando em conjunto com o CADE, buscando equilibrar objetivos concorrenciais e prudenciais. A relevância e a quantidade de casos analisados demonstram a importância de sua atuação, que enfrenta novos desafios em um cenário de transformações tecnológicas e crescente complexidade dos mercados financeiros. A continuidade desse equilíbrio será essencial para promover um sistema financeiro eficiente, competitivo e estável.
Alex Nery Caetité e Daniel Palaro Canhete são servidores do Banco Central do Brasil e atuam no Departamento de Competição e de Estrutura do Mercado Financeiro (Decem).
iNão há dados disponíveis para o cálculo do índice antes de dezembro de 2015.
iiO Índice Herfindahl-Hirschman (IHH) é utilizado pelas autoridades nacionais e internacionais de defesa da concorrência como instrumento na avaliação de níveis de concentração econômica. Em sua versão normalizada, o IHHn é obtido pelo somatório do quadrado da participação de mercado de cada instituição financeira na forma decimal, resultando em um número entre 0 e 1.
Fonte: https://www.bcb.gov.br/noticiablogbc/37/noticia

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