
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) pretende inaugurar uma nova fase para empresas cuja receita bruta anual seja de até R$ 500 milhões e que estejam interessadas em acessar o mercado de capitais brasileiro.
A introdução do Regime Fácil (Facilitação do Acesso a Capital e de Incentivos a Listagens) tem o potencial de revolucionar o acesso desse tipo de empresas a recursos financeiros e viabilizar operações de captação que hoje não ocorrem por restrições normativas. Estruturado para simplificar processos e reduzir custos, o regime visa equilibrar inovação regulatória com segurança para investidores, criando condições mais favoráveis para o acesso de companhias de menor porte ao mercado de capitais.
A norma foi objeto de consulta pública[1] e as contribuições enviadas no âmbito da consulta estão atualmente sob análise da CVM. Sua edição está prevista para ocorrer ainda neste ano de 2025, conforme agenda regulatória da CVM. Como a norma ainda está em discussão, os requisitos e benefícios abordados neste artigo podem sofrer alterações – no entanto, conhecer previamente os requisitos e as mudanças propostas pela CVM certamente oferecerá uma vantagem competitiva para empreendedores que estão em busca de aporte de capital (equity) ou financiamento (debt) de seu negócio.
O que é o Regime Fácil?
O Regime Fácil consiste em um conjunto de normas que simplificará o acesso de empresas com receita bruta anual de até R$ 500 milhões ao mercado de capitais. A proposta se fundamenta nos artigos 294-A e 294-B da Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76) e adapta as exigências regulatórias para acesso ao mercado de capitais à realidade dessas sociedades, permitindo que emitam valores mobiliários e atraiam investidores de maneira menos burocrática e mais econômica, sem comprometer as proteções aos investidores.
A proposta pretende sanar uma lacuna existente entre as alternativas de acesso ao mercado de capitais atualmente existentes.
De um lado, há o equity crowdfunding, regido pela Resolução CVM 88/22, que atende sociedades com até R$ 40 milhões de faturamento bruto anual, e que desejam realizar uma oferta pública de até R$15 milhões.
Do outro lado, há o mercado de capitais “tradicional”, regido pelas Resoluções CVM nº 160/22 e 80/22, cujas ofertas demandam maior volume de documentação e geram um relevante custo de transação, haja vista o envolvimento de diversas instituições financeiras, advogados, auditores e outros prestadores de serviço.
Assim, atualmente não há alternativas para companhias que pretendem captar valores intermediários no âmbito do mercado de capitais – acima do teto permitido para o equity crowdfunding, mas ainda em valor insuficiente para cobrir os custos associados a uma oferta tradicional de valores mobiliários. A proposta do Regime Fácil surge, então, para solucionar essa lacuna.
A quem o Regime Fácil é aplicável?
O Regime Fácil é aplicável a sociedades anônimas que apresentem receita bruta anual consolidada inferior a R$ 500 milhões, chamadas de “Companhias de Menor Porte” (CMPs)[2]. Para se enquadrar como uma CMP, a sociedade deverá considerar a receita bruta apurada nas demonstrações financeiras de encerramento do último exercício social da sociedade.
O que mais devo observar para me enquadrar ao Regime Fácil?
Para se enquadrar ao Regime Fácil, a companhia deverá, primeiramente, ter apresentado receita proveniente de suas operações, em demonstração financeira auditada por auditor independente registrado na CVM. Assim, o Regime Fácil não se destina a sociedades em estágio pré-operacional.
Adicionalmente, a companhia deverá apresentar pedido de listagem a uma entidade administradora de mercado organizado (uma bolsa de valores como a B3 ou um sistema de balcão organizado). Essa entidade deverá editar um ato próprio dispondo sobre o processo e os prazos de análise para a listagem de CMPs. A listagem em uma entidade administradora de mercado assegura que as operações da sociedade ocorram em um ambiente supervisionado e transparente, trazendo confiança ao mercado e ampliando a visibilidade da companhia e o acesso a potenciais investidores.
Por fim, caso a sociedade já possua registro como emissora de valores mobiliários, é preciso obter a anuência dos investidores para aderir ao Regime Fácil. Essa aprovação visa o alinhamento entre a companhia e seus investidores, assegurando que os direitos destes sejam respeitados na transição para o novo regime.
Com o enquadramento ao Regime Fácil, a companhia receberá uma classificação específica, com o rótulo de “CMP”. Esse rótulo não se trata de uma nova categoria de emissor de valores mobiliários – o Regime Fácil mantém as atuais categorias de emissor A e B. Assim, a classificação de “CMP” apenas sinaliza ao mercado e aos potenciais investidores que se trata de um emissor (da categoria A ou B) que adota o regime simplificado proposto pela CVM.
Afinal, o que muda com o Regime Fácil?
A implementação do Regime Fácil traz uma série de mudanças relevantes que têm como objetivo facilitar o acesso das CMPs ao mercado de capitais. Dentre as mudanças propostas pelo Regime Fácil, destacam-se:
- Registro automático: O registro automático permitirá que a CMP obtenha, sem processo adicional, o registro de emissor de valores mobiliários na CVM, após a companhia ser listada em entidade administradora de mercado organizado. Assim, após a listagem, o registro da companhia na CVM será concedido automaticamente.
- Formulário único: O regime Fácil substitui o formulário de referência, o prospecto e a lâmina por um único formulário consolidado. Esse documento deverá ser apresentado anualmente ou no momento de uma oferta pública, unificando as informações essenciais em um formato mais prático, tanto para as companhias – que precisarão preencher menos formulários – quanto para os investidores, que terão acesso às informações relevantes sobre o negócio em um único documento.
- Informações contábeis semestrais: As CMPs deverão divulgar suas demonstrações financeiras a cada semestre, em substituição à divulgação trimestral exigida das companhias listadas no regime tradicional. A proposta visa reduzir os custos das companhias (tanto de pessoal, quanto de auditores externos) com a preparação e divulgação dessas demonstrações financeiras.
Adicionalmente, a proposta também prevê quatro modalidades de realização de ofertas públicas.
A primeira delas é a oferta tradicional, que segue integralmente a Resolução CVM nº 160/22, e que permite às CMPs realizar captações sem limitações de valor, com todas as exigências e documentos aplicáveis às ofertas tradicionais. Essa alternativa, assim, não dispensa obrigações regulatórias atualmente aplicáveis a uma oferta pública tradicional e é voltada para companhias que, embora de menor porte, são mais estruturadas e pretendem acessar o mercado de capitais sem o limite máximo de captação imposto às CMP nas demais modalidades.
Além da oferta tradicional, o Regime Fácil prevê modalidades de ofertas simplificadas que compartilham um limite máximo de captação de R$ 300 milhões a cada 12 meses, considerando todas as ofertas realizadas no período. São elas:
- Oferta sem restrição de público e com observância parcial das Resoluções CVM nº 160/22 e 161/22: nessa modalidade, o Formulário Fácil substitui o prospecto e a lâmina informativa, reduzindo o volume de documentos necessários para a emissão. Além disso, há a dispensa da contratação de um coordenador líder, possibilitando que as ofertas sejam coordenadas pelos chamados “consultores de listagem”, profissionais registrados na CVM e credenciados pela entidade administradora de mercado.
- Oferta direta: essa modalidade é talvez a maior inovação proposta pelo Fácil, e permite a oferta de ações e de títulos de dívida pela companhia diretamente aos investidores, por meio de um procedimento especial de negociação. A oferta direta deverá ocorrer em um mercado organizado, que conectará diretamente os investidores com a companhia emissora, de forma similar ao que ocorre em ofertas de compra e venda de valores mobiliários negociados no mercado secundário. Não há restrições ao público-alvo das ofertas diretas, e os investidores deverão ser representados por intermediários autorizados a atuar nesse mercado.
- Oferta de emissões de dívida: por fim, o Fácil também prevê uma alternativa de captação para emissores não registrados, mas que se enquadram no patamar de faturamento das CMPs: essas companhias poderão captar recursos por meio de ofertas públicas de dívida voltadas exclusivamente a investidores profissionais. Nessa modalidade, fica dispensada a obtenção do registro de emissor de valores mobiliários na CVM, a contratação de um intermediário para a oferta (permitindo a negociação direta com potenciais investidores), ou mesmo a realização de auditoria das demonstrações financeiras da companhia.
Essas mudanças, dentre outras previstas na regulação, criam um regime especial e diferenciado, tornando o mercado de capitais uma alternativa acessível para as companhias de pequeno e médio porte, e possibilitam assim uma nova forma de financiamento para essas sociedades.
E se a companhia deixar de se enquadrar como CMP?
A companhia que deixar de se enquadrar como CMP deixará de fazer jus às dispensas regulatórias previstas no Regime Fácil e ficará sujeita à regulamentação tradicional do mercado de capitais, conforme termos das Resoluções CVM nº 160/22 e 80/22.
Nesse ponto, a companhia poderá perder a classificação de “CMP” nas seguintes hipóteses:
- a pedido da própria companhia;
- caso deixe de se enquadrar no conceito de companhia de menor porte (sociedades anônimas que apresentem receita bruta anual consolidada inferior a R$ 500 milhões);
- se houver sua deslistagem do mercado organizado; e
- caso não haja a realização de oferta pública de distribuição de valores mobiliários nos 24 meses seguintes à sua classificação como CMP, quando a classificação for obtida concomitantemente com o registro de emissor.
Especificamente quanto à hipótese de desenquadramento como CMP prevista no item (ii) acima, é importante destacar que a perda dessa classificação não ocorrerá de forma imediata: para permitir que a companhia se prepare adequadamente à transição do Regime Fácil para a regulamentação tradicional, o regramento do Fácil determina que a companhia deixará de se enquadrar como uma “companhia de menor porte” apenas quando houver (o que ocorrer primeiro):
- a aprovação, pela assembleia geral ordinária, das demonstrações financeiras do exercício em que houve auferimento e receita bruta em patamar igual ou superior a R$ 500 milhões;
- o término do prazo para a divulgação das demonstrações financeiras e encerramento de exercício social sem sua divulgação; ou
- o término do prazo para a realização da assembleia geral ordinária sem que a assembleia tenha sido realizada.
Conclusão
Ao simplificar o acesso ao mercado de capitais, a CVM amplia as possibilidades de captação de recursos e eleva o nível de competitividade das companhias de menor porte. Para os empreendedores, a edição da norma representa um momento oportuno para buscar alternativas de financiamento estruturado para sua atividade, diversificando suas fontes de capital e criando condições para escalar seus negócios de forma sustentável. Já para os investidores, a proposta fortalece o mercado de capitais brasileiro e amplia as opções de investimento disponíveis.
O Regime Fácil tem potencial para transformar o ambiente de negócios, observado que o seu sucesso dependerá tanto de sua execução cuidadosa pelos agentes reguladores quanto do engajamento de empreendedores e investidores em se adaptarem às novas condições. Para empreendedores que buscam novas formas de investimento e crescimento de seu negócio, esse período prévio à edição do regime será uma excelente oportunidade para se preparar e se familiarizar com as propostas trazidas por essa nova regulamentação.

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