Mercado de capitais expõe empresas a novo perfil de credores

Emissões representam 33% da dívida das companhias; fatia mais que dobra em dez anos O mercado de capitais atingiu participação recorde no total do endividamento das companhias brasileiras, em um movimento que se tornou ainda mais forte com o aquecimento das emissões de renda fixa no ano passado. Essa fatia chegou a 33% em 2024,…

Emissões representam 33% da dívida das companhias; fatia mais que dobra em dez anos

Parente: Pulverização de títulos entre investidores pessoas físicas torna os processos de renegociação de dívidas mais burocráticos e lentos — Foto: Rogerio Vieira/Valor

O mercado de capitais atingiu participação recorde no total do endividamento das companhias brasileiras, em um movimento que se tornou ainda mais forte com o aquecimento das emissões de renda fixa no ano passado. Essa fatia chegou a 33% em 2024, ante 31% em 2023, segundo estudo feito pela consultoria FTI a pedido do Valor.

Quando se olha para um intervalo maior, a mudança na composição da dívida corporativa é ainda mais significativa. Há dez anos, os títulos de mercado de capitais representavam 15% do endividamento das empresas.

O volume relativo ao fim de 2024 representa um estoque de R$ 2,2 trilhões em títulos de dívida, resultado de um crescimento médio anual de 16,6%.

“Antes, empresas mantinham as negociações exclusivamente com bancos e detentores de títulos de dívida externa”

A maior presença de papéis do mercado de capitais nos balanços não só diversificou a base de captação de recursos das empresas como também trouxe novos desafios para elas nos processos de renegociação com credores. E isso ocorre em um período com recorde de pedidos de recuperação judicial e extrajudicial no país.

Casos recentes, como Americanas, Agrogalaxy e Southrock, com uma base relevante de pessoas físicas, levaram à necessidade de uma organização dos detentores da dívida – algo inédito para investidores pessoa física, em geral não habituados com os ambientes de reestruturação e nem a participar de assembleias de credores, eventos muito comuns nesses processos. Outro processo relevante virá com a rede de supermercados St Marche, que entrou com pedido de medida cautelar para renegociar dívidas e possui alta exposição de Certificados de Recebíveis Agrícolas (CRAs), pulverizadas entre pessoas físicas.

Como consequência, destaca o diretor da FTI, Eduardo Parente, o perfil da negociação em processos de reestruturação foi alterado com a adição de uma nova camada de burocracias aos processos, que muitas vezes pedem celeridade. Os produtos de dívida do mercado de capitais que mais se destacaram em crescimento nos últimos anos foram os certificados de recebíveis agrícolas e imobiliários (CRAs e CRIs, respectivamente), disponíveis para investimento nas plataformas e com o atrativo da isenção de Imposto de Renda, ou seja, com distribuição predominante a pessoas físicas. “Isso popularizou muito o instrumento”, diz.

Segundo o executivo da FTI, a dinâmica das negociações mudou exatamente em um momento de crescimento dos processos de reestruturação. “Os representantes dos ‘crazistas’ e ‘crizistas’ [detentores dos CRAs e CRIs] ficam mais presos e a dinâmica, mais lenta”, diz.

Antes do ganho de relevância desses produtos, as empresas e seus assessores mantinham, comumente, negociações exclusivas com credores bancários e detentores de títulos de dívida externa, os “bondholders”, mais acostumados a esses tipos de negociação e já organizados para sentar à mesa em processos de reestruturação.

Agora, os processos precisam levar em conta o convencimento de milhares de pessoas físicas. “Essa complexidade traz novos desafios burocráticos e jurídicos aos processos”, diz Parente.

O sócio do escritório Mattos Filho responsável pela área de renda fixa, Bruno Tuca, afirma que ao longo dos últimos dez anos o mercado de capitais se tornou uma alternativa efetiva de financiamento para as empresas, algo que ajudou as empresas a diversificarem o funding. Agora, com os juros altos e muitos processos de reestruturação, a discussão é como torná-lo mais fluido em caso de necessidade de renegociações. “A dificuldade que surgiu foi que com os títulos incentivados a dívida ficou muito pulverizada com pessoas físicas”, diz.

O problema disso é que quando a empresa precisa sentar com seus credores para buscar algum tipo de renegociação, como um alongamento de prazo, a missão de reunir o quórum para efetivar a mudança se torna um desafio.

Já houve casos de empresas que não conseguiram fazer essa renegociação por não conseguir quórum. O advogado do Mattos Filho diz que essa questão vem sendo tratada com atenção inclusive pelos bancos que estruturam essas operações, que buscam soluções. “É a primeira vez que vemos essa situação.”

A necessidade de alcançar o quórum exigido com seus debenturistas foi um dificultador no ano passado em uma das emissões da Light, em recuperação judicial. Depois de não conseguir reunir os debenturistas, o agente fiduciário dessa emissão acessou a Comissão de Valores Mobiliários para pedir redução da necessidade de quórum, alegando que tinha tentado todas as vias para acessar os debenturistas, incluindo a contratação de influenciador digital. O pedido foi parcialmente deferido pelo regulador. Foi, assim, mais uma etapa no processo já complexo.

Para exemplificar o desafio, o sócio da consultoria de reestruturação de empresas Virtus, Douglas Bassi, conta que no ano passado trabalhou em um caso em que teve de buscar cada debenturista para conseguir alterar uma cláusula de um contrato de dívida, pois a escritura da emissão pedia um quórum 90% para uma mudança. Bassi diz que esse trabalho levou quase nove meses. “E no meio tempo tentamos construir com a empresa uma solução paliativa”, afirma.

As regras dos títulos também têm trazido outras novidades às reestruturações. O sócio do escritório Lefosse e responsável pela área de reestruturação, Roberto Zarour, lembra que por força regulatória, os títulos incentivados não podem ser pré-pagos, o que gera um descompasso na hora, por exemplo, de um processo de recuperação judicial em que existe a necessidade de trocar os papéis. Ainda mais simples, a regra também impede processos de “liability management”, ou seja, operações em que há substituição de títulos mais caros por outros com taxas menores.

Já o sócio da Lefosse responsável pela área de mercado de capitais, Ricardo Prado, diz que o tema está na mesa de bancos e empresas para haver uma solução mais fácil na necessidade de reunir os detentores dos papéis da dívida. “Muitas vezes, a companhia precisa aprovar um ‘waiver’ [perdão em alguma cláusula] temporário, o cenário econômico muda ano a ano.”

Prado afirma que já trabalhou em um caso em que a empresa, saudável, teve de contratar nove bancos para conseguir reunir o quórum necessário. Trata-se, lembra ele, de mais um custo.

Fonte: https://valor.globo.com/financas/noticia/2025/02/20/mercado-de-capitais-expoe-empresas-a-novo-perfil-de-credores.ghtml

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