A mudança estrutural nas fontes de financiamento exige adaptações relevantes na forma como as empresas se relacionam com os provedores de capital

Há séculos, quando uma empresa precisa de crédito, os bancos são a opção óbvia. Nos últimos dez anos, no Brasil, ocorreu uma revolução silenciosa. Cada vez mais, as companhias utilizam o mercado de capitais para se financiar, emitindo títulos comprados especialmente por fundos e diretamente por investidores finais. Esse capítulo adicional da desintermediação bancária, que já atingiu investimentos e pagamentos, exige mudanças relevantes nos relacionamentos e na governança dos departamentos financeiros.
A grande novidade dos dados divulgados no final de julho pelo Banco Central é que, pela primeira vez na história, o mercado de capitais nacional se tornou o maior provedor de crédito para as empresas. Em junho, o estoque de empréstimos bancários era de R$ 2,19 trilhões, enquanto o volume de títulos emitidos alcançava R$ 2,21 trilhões. Somando-se a isso os R$ 2,09 trilhões em dívida externa, o total de crédito corporativo chega a R$ 6,7 trilhões — equivalente a 54,8% do PIB.
O que mais impressiona é a velocidade da transformação. Há dez anos, o mercado de capitais era 75% menor que os bancos no financiamento às empresas. Cinco anos atrás, era 50% menor. Hoje, é igualmente relevante. A tendência é de ultrapassagem definitiva, com viés de crescimento acelerado para os instrumentos de mercado, dada a maior eficiência na alocação de capital e a busca contínua por diversificação por parte dos investidores.
Essa mudança estrutural nas fontes de financiamento exige adaptações relevantes na forma como as empresas se relacionam com os provedores de capital. O relacionamento bancário tradicional tem a vantagem do conforto e da praticidade: um único interlocutor pode resolver, de forma centralizada, pagamentos, folha de salários, investimentos e alavancagem. Mas, em contrapartida, esse modelo depende da disposição do banco em tomar risco de crédito — o que, com a elevação do custo de capital regulatório e maior seletividade, torna-se mais restritivo.
No mercado de capitais, o processo é menos padronizado e mais competitivo. Cada produto — debêntures, notas comerciais, CRIs, CRAs, FIDCs — exige uma estrutura própria, com regras de governança, garantias, comunicação com o mercado e, muitas vezes, um rating. As empresas que buscam esses recursos precisam se adaptar a essa nova lógica, que se assemelha mais à de uma empresa aberta do que à de uma cliente bancária tradicional.
Enquanto o banco é, em geral, a contraparte direta e individual, no mercado de capitais os investidores são muitos e heterogêneos — fundos de pensão, gestoras independentes, seguradoras, corretoras e escritórios de agentes autônomos. As empresas precisam entender o que cada um desses agentes busca, quais são suas restrições e critérios de avaliação, e como estruturar uma emissão que dialogue com esses interesses.
Nesse processo de transição, muitas companhias acabam se apoiando em intermediários que não têm necessariamente uma relação próxima com os investidores finais. Esses originadores — sejam consultores, escritórios especializados ou plataformas digitais — têm papel importante, mas seu envolvimento deve ser avaliado com cuidado. Casos de estruturas mal desenhadas, custos elevados e expectativas desalinhadas são comuns. É fundamental que a remuneração desses agentes esteja atrelada ao sucesso da emissão e à manutenção do relacionamento entre empresa e investidor.
Além disso, o amadurecimento do mercado de capitais passa por uma maior sofisticação também por parte dos investidores. O crescimento rápido do volume de crédito por meio de instrumentos de mercado aumenta a responsabilidade dos gestores em realizar uma boa análise de risco, em buscar diversificação e em alinhar seus interesses aos dos cotistas. A transparência, a padronização de informações e o fortalecimento das estruturas de governança das emissões são etapas essenciais desse novo ciclo. A compra de um título diretamente por um investidor sem experiência deve ser uma decisão ponderada a uma aplicação em um fundo de crédito diversificado.
O fato de o mercado de capitais ter superado os bancos como principal fonte de crédito para empresas é, antes de tudo, um marco simbólico. É o sinal de que o Brasil pode, enfim, depender menos do concentrado mercado bancário e mais da mobilização direta da poupança privada. Para as empresas, é uma oportunidade de acessar capital com mais liberdade, mas também com mais responsabilidade. Para os investidores, é a chance de exercer um papel mais ativo na alocação de recursos, com impacto direto sobre o crescimento e a eficiência da economia real.

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