Criou-se um caminho para empréstimos de longo prazo, no geral mais baratos, que antes eram um mercado exclusivo do BNDES
A expansão do mercado de capitais neste ano abriu novas fontes de recursos para as empresas investirem ou renegociarem dívidas, oferecendo alternativas aos empréstimos tradicionais. Pelo menos 60% dos recursos captados para o caixa das empresas brasileiras entre maio e julho veio de emissões privadas, um recorde histórico. Do exigível financeiro, o mercado de capitais passou a representar 30%, frente a 16,2% em 2016.
Antes, as empresas dependiam fortemente dos empréstimos bancários, mas agora parte delas encontrou alternativas que, por enquanto, têm custo menor em um momento em que a taxa Selic aponta para cima. Apesar de não haver nenhuma nova operação de abertura de capital (IPO) há três anos, o mercado é receptivo a títulos de renda fixa privados.
As empresas levantaram R$ 633,6 bilhões no mercado de capitais no ano até outubro, segundo a Anbima, recorde na comparação com anos anteriores completos. As debêntures representaram mais da metade, R$ 381,4 bilhões. Os recursos se destinaram em partes quase iguais a: infraestrutura (25,4%), pagamento de dívidas (24,7%) e gestão (24,6%). Os fundos de investimento absorveram 48,1% dos papéis. “As empresas estão se valendo de um financiamento longo via mercado de capitais, mais barato que o bancário, no momento de um aperto monetário”, disse Fernando Rocha, da JGP, ao Valor. A participação do mercado de capitais cresceu de 1,37% do PIB em janeiro para 3,47% em julho.
Os setores mais beneficiados pela oferta de recursos foram infraestrutura, agronegócio e a construção civil. Em geral dependente das fontes especiais, a infraestrutura é destaque no ano graças às debêntures incentivadas. Impulsionadas pela isenção de IR para pessoas físicas, as emissões desses papéis para infraestrutura somaram R$ 96,1 bilhões até setembro, o triplo dos R$ 30,7 bilhões alocados pelo BNDES para esses investimentos (Valor, 6/12). Incluindo outubro, o total emitido chega a R$ 111,9 bilhões. No ano passado, o balanço já havia pendido para o mercado de capitais.
Do ponto de vista do balanço das empresas, dados do Centro de Estudos do Financiamento das Empresas Brasileiras (Cefeb-Fipe) mostram que o BNDES respondia por 17,5% da dívida financeira total das empresas em 2016, fatia que neste ano caiu para 6,6%. O banco estatal deixou de ser a única fonte de financiamento de longo prazo para as empresas, embora seu papel siga muito relevante.
Apesar dos números promissores, há problemas. O mercado de capitais tem pontos frágeis, e um dos mais sérios é a volatilidade. Turbinada na virada do ano pela taxação dos fundos exclusivos ou restritos, e pela mudança de regras dos títulos isentos, que restringiram as emissões de Letras de Crédito Imobiliário e do Agronegócio (LCIs e LCAs) e de Certificados de Recebíveis Imobiliários e do Agronegócio (CRIs e CRAs), a demanda pelos títulos de crédito privado cresceu a ponto de provocar redução das taxas oferecidas.
Pesquisa do Banco ABC Brasil antecipa que os fundos de crédito privado devem ter fechado novembro com o primeiro saldo negativo em 18 meses, conforme amostra de 2.002 carteiras. A última vez em que houve captação negativa nesses fundos foi em maio de 2023, causada pela crise criada pela descoberta do rombo no balanço da Americanas e dos problemas da Light. O resultado acumulado do ano continua positivo, porém. Já os fundos de infraestrutura se mantêm no azul, com captação positiva.
Em consequência desse soluço da demanda, o ritmo nas emissões de debêntures também desacelerou. Desde o início de novembro, foram registradas na CVM ofertas de debêntures que somam mais de R$ 24 bilhões. Parte delas foi concluída no mesmo mês, mas uma parcela será liquidada em dezembro. Enquanto o mercado busca um novo equilíbrio de preços, já se descarta o rali que costuma acontecer nesse período do ano, mas a expectativa é que o primeiro trimestre de 2025 será mais animado.
Apesar de comemorar seus recordes, o mercado de capitais brasileiro ainda está distante do patamar de outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, representa 80% do crédito. No Brasil, as novas concessões de crédito para empresas somaram R$ 2,6 trilhões até outubro, de acordo com o relatório do Banco Central, quatro vezes mais do que o total levantado no mercado de capitais no mesmo período.
Um ponto fraco do mercado de capitais é sua vulnerabilidade às mudanças de regras, que ocorrem com constância acima da desejável no país, com repercussões não só nos juros e câmbio. Assim como a demanda cresceu na virada do ano com as novas regras para os fundos fechados e para alguns títulos isentos de IR, ela pode diminuir caso as condições mudem em consequência da reforma do Imposto de Renda em estudo pelo governo.
Mesmo com problemas derivados do desequilíbrio macroeconômico, ficou provado que há espaço para as empresas terem acesso ao crédito fora do sistema bancário, como predominou no passado. Foi criado um caminho para empréstimos de longo prazo, no geral mais baratos, que antes eram um mercado exclusivo do BNDES.