IOF na integralização primária de cotas de FIDC por FIC

A recente controvérsia em torno da incidência do IOF-Títulos e Valores Mobiliários (IOF‑TVM) sobre a integralização primária de cotas de Fundo de Investimentos Creditórios (FIDC) ganhou força a partir de maio de 2025, com a edição de uma série de atos normativos pelo Poder Executivo (Decretos nos 12.466/2025, 12.467/2025 e, posteriormente, 12.499/2025), que alteraram o Regulamento…

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A recente controvérsia em torno da incidência do IOF-Títulos e Valores Mobiliários (IOF‑TVM) sobre a integralização primária de cotas de Fundo de Investimentos Creditórios (FIDC) ganhou força a partir de maio de 2025, com a edição de uma série de atos normativos pelo Poder Executivo (Decretos nos 12.466/2025, 12.467/2025 e, posteriormente, 12.499/2025), que alteraram o Regulamento do IOF (Decreto nº 6.306/2007).

Esses atos ampliaram a incidência do IOF para alcançar, entre outras hipóteses, a aquisição primária de cotas de FIDC. A medida foi recebida com forte resistência no mercado e no Congresso Nacional, que em 27 de junho de 2025 aprovou o Decreto Legislativo nº 176/2025, que sustou os efeitos dos decretos presidenciais. Contudo, em 4 de julho de 2025, o ministro Alexandre de Moraes, em decisão liminar, conjuntamente na Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) 96 e nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 7.827 e 7.839, suspendeu tanto os decretos presidenciais quanto o decreto legislativo.

No dia 16 de julho de 2025, em nova decisão, o STF restabeleceu a eficácia do Decreto nº 12.499/2025, com exceção das disposições sobre “risco sacado”. Em 18 de julho, ficou esclarecido que não haveria retroatividade da cobrança referente ao período de suspensão (04 a 16/7/2025).

Assim, desde 16 de julho de 2025, e até decisão em contrário, está em vigor a nova regra que prevê a incidência do IOF na integralização primária de cotas de FIDC.

Este cenário introduziu um ponto de tensão: a incidência do IOF sobre operações em cadeia, especialmente quando um Fundo de Investimento em Quotas (FIC) participa da integralização primária cotas de um FIDC.

Fundos de investimento e FIC: natureza condominial e não tributação no nível do fundo

Os fundos de investimento são condomínios de natureza especial, sem personalidade jurídica, regidos atualmente pela Resolução CVM nº 175/2022. Essa natureza implica que não há tributação da “atividade” do fundo como se pessoa jurídica fosse: PIS/Cofins, IRPJ e CSLL não incidem no nível do fundo.

No CTN, a distinção é central: contribuinte é quem mantém relação pessoal e direta com o fato gerador, responsável é quem a lei elege para recolher tributo de outrem. A capacidade tributária passiva independe de personalidade civil, mas a eleição de quem será sujeito passivo depende de lei.

Dessa forma, a tributação sempre ocorre no cotista, via Imposto de Renda sobre ganhos e rendimentos no resgate, amortização ou distribuição.

Com esse pano de fundo, a incidência do IOF‑TVM na integralização primária de cotas de FIDC depende de quem é o subscritor. Para delimitar o escopo deste artigo, adotamos o seguinte quadro‑sumário:

1. Investidor PF subscrevendo FIDC na oferta primária: há IOF-TVM (regulamento vigente).

2. Investidor PJ subscrevendo FIDC na oferta primária: há IOF-TVM.

3. Investidor FIC-FIDC subscrevendo FIDC na oferta primária: não há IOF-TVM no nível do FIC.

Essas premissas conduzem à demonstração de que o FIC não pode ser tratado como sujeito passivo do IOF‑TVM na subscrição primária, à luz da sua natureza jurídica.

Decreto nº 12.499/2025: alterações materiais relevantes

O Decreto nº 12.499/2025 revogou e substituiu os Decretos 12.466/2025 e 12.467/2025, promovendo um rearranjo do Decreto nº 6.306/2007 (Regulamento do IOF). Para o tema desta análise, destacam-se dois eixos:

1. IOF-TVM na aquisição primária de cotas de FIDC (alíquota de 0,38%) — inserção expressa da hipótese de incidência do IOF‑Títulos e Valores Mobiliários sobre a subscrição/integração primária de cotas de FIDC.

2. “Risco sacado” (IOF-Crédito) — tentativa de equiparação regulatória a operação de crédito, suspensa pelo STF, por ausência de previsão legal suficiente.

Por que não incide IOF quando o adquirente é FIC-FIDC

Incapacidade subjetiva do FIC como sujeito passivo do IOF

O Fundo de Investimento em Cotas é condomínio especial despersonalizado, sem personalidade jurídica própria e, portanto, não é ente tributável para suportar obrigação principal de IOF em operação própria.

No regime do RIOF, as operações realizadas no âmbito da carteira dos fundos estão sujeitas à alíquota zero de IOF-TVM — “operações das carteiras dos fundos de investimento” (Dec. 6.306/2007, artigo 32, §2º, II).

Em outras palavras, o fundo, via de regra, não paga IOF-TVM nas suas movimentações internas de carteira. A incidência do IOF-TVM, quando existente, recai no investidor (adquirente/titular), cabendo ao administrador atuar como responsável pelo recolhimento (artigos 26 e 27, IV).

Assim, esse desenho confirma a regra geral do sistema: o legislador optou por desonerar (mediante alíquota zero, e não tecnicamente por “isenção”) as carteiras dos fundos do IOF-TVM, o que é coerente com a natureza de condomínio despersonalizado dos fundos (Resolução CVM 175/2022, artigo 4º, e artigo 1.368-C do Código Civil) e com a diretriz de que o fundo, em regra, não é contribuinte desse imposto — a incidência típica recai no cotista, enquanto o administrador/banco apenas recolhe como responsável.

Por isso, na subscrição primária de FIDC por FIC, defendemos a não incidência do IOF-TVM no nível do FIC. Além de contrariar a arquitetura normativa acima, tributar o FIC geraria cascata em estruturas legítimas, deslocando a carga para um condomínio intermediário que não é ente tributável.

Responsabilidade de recolhimento na primária e restituição/compensação

Nas integralizações primárias de cotas de FIDC, a responsabilidade pelo recolhimento do IOF‑TVM é da instituição financeira intermediária ou, na ausência de intermediação, do administrador/emissor (Decreto 6.306/2007, artigo 27). O Darf é emitido no CNPJ do responsável, e o valor costuma ser debitado na liquidação da subscrição.

Como defendemos, não há sujeição passiva do FIC na subscrição primária, logo, eventual retenção contra o patrimônio do FIC é indevida.

Nesses casos, caberiam as medidas:

– Via responsável (preferencial): notificar o intermediário/administrador para não reter prospectivamente e para promover PER/DComp no próprio CNPJ, com devolução/repasse ao FIC do valor recolhido.

– Via do FIC: representado pelo administrador, o FIC pode requerer restituição do indébito (CTN, artigo 165, e IN RFB 2.055/2021), com Selic desde o mês subsequente ao pagamento e +1% no mês da restituição (Lei 9.250/1995, artigo 39, §4º), observado o prazo de 5 anos (CTN, artigo 168, I). Vale dizer que, neste caso, não caberia a compensação, visto que o Fundo não é sujeito passivo de outros tributos federais, o que acabaria gerando crédito inutilizável.

– Por via judicial (mandado de segurança/ação de repetição), a inaplicabilidade do artigo 166 do CTN ao IOF — reconhecida na Nota PGFN/CRJ nº 354/2017 — afasta a exigência de prova de repasse do encargo ao terceiro.

Legalidade estrita e limites do decreto no IOF-TVM: o que está em jogo no STF

O regime constitucional do IOF admite flexibilidade de alíquotas por decreto (CF, artigo 153, V e § 1º), desde que respeitados os limites e condições previstos em lei. A Lei 8.894/1994 institui o IOF e fixa parâmetros, cabendo ao regulamento (Decreto 6.306/2007), detalhar a incidência e operacionalização. Em contrapartida, a reserva legal tributária (CF, artigo 150, I, CTN, artigo 97, III) veda ao decreto criar fato gerador ou eleger sujeito passivo — poderes indelegáveis à lei.

Foi nesse ponto de fricção que se instalou a controvérsia de 2025: o Decreto 12.499/2025 incluiu no RIOF a aquisição primária de cotas de FIDC com alíquota de 0,38% (atual artigo 32-D do Dec. 6.306/2007). Para uma corrente, trata-se de mera especificação regulamentar de uma operação relativa a valores mobiliários já contemplada em lei, para a outra, houve criação de hipótese nova e, portanto, indevida por decreto.

Mesmo admitida provisoriamente a validade do artigo 32-D, a discussão não transforma o FIC em sujeito passivo. Se, ao final, o STF entender que houve excesso regulamentar (criação de fato gerador por decreto), cairá a incidência na primária de FIDC para todos os adquirentes.

Caso contrário, se validar a inclusão como mera especificação de “operações relativas a títulos e valores mobiliários”, subsiste a regra operacional sem que isso altere nossa conclusão quanto à inexistência de sujeição passiva do FIC (condomínio despersonalizado).

Esse ponto é ainda mais sensível porque o próprio Regulamento do IOF confere alíquota zero às operações das carteiras dos fundos de investimento (Decreto 6.306/2007, artigo 32, §2º, II), o que exigiria até mesmo um detalhamento específico pelo STF. Embora esse dispositivo não se aplique diretamente à hipótese especial do artigo 32-D (primária de FIDC), ele sinaliza a opção legislativo-regulamentar por não tributar o fundo como ente no âmbito do IOF-TVM.

Portanto, qualquer leitura que desloque a sujeição passiva para o FIC na subscrição primária de FIDC rompe a coerência do sistema e, se pretendida, exigiria lei em sentido estrito (CF, artigo 150, I, CTN, artigo 97, III), não simples regulamento.

Conclusão

A controvérsia recente sobre IOF na integralização primária de cotas de FIDC exige distinguir contribuinte de responsável. O FIC‑FIDC é condomínio despersonalizado, não é ente tributável e não pode figurar como sujeito passivo do IOF‑TVM na subscrição primária de cotas de FIDC. Esse recorte preserva a coerência sistêmica dos fundos de investimento respeita a legalidade e a tipicidade e evita distorções como a tributação em nível intermediário de condomínio, uma leitura que permanece mais alinhada à lógica do mercado de capitais e à trajetória histórica da tributação no cotista.

As dinâmicas regulatórias e a jurisprudência podem alterar esse cenário, sendo imprescindível monitorar continuamente as decisões do STF sobre o artigo 32-D, bem como as orientações da Receita Federal, para ajustar políticas de compliance, governança e planejamento tributário conforme for necessário.

Fonte: Consultor Jurídico

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