Mudanças regulatórias vêm atraindo emissores que precisam captar fora dos bancos

O aperto monetário no Brasil, que já levou os juros a 13,25% neste início de ano, tende a inibir as emissões de títulos, como debêntures e certificados de recebíveis imobiliários (CRIs), após os recordes de 2024. Ao mesmo tempo, deve aumentar a demanda por fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs), instrumento até bem pouco tempo visto como “exótico” ou, como os gestores costumam dizer, “patinho feio” do mercado.
Empresas que não querem ou não podem recorrer aos bancos, cujos juros são em geral mais baixos, vão reestruturar suas dívidas via FIDCs, diz Phylipe Corsini, chefe da área de distribuição da CVPAR Business Capital, gestora com foco em fundos estruturados com R$ 600 milhões sob gestão. Ele explica que, com a nova regulamentação do segmento que vem entrando em vigor em etapas, os FIDCs vão poder aumentar as garantias exigidas, o que, afirma, vai melhorar a qualidade dos fundos. A expectativa da CVPAR é atingir neste ano R$ 1 bilhão sob administração.
“É uma saída para empresas médias, sobretudo as que têm uma boa cadeia de fornecedores e, assim, protegem o limite do banco”, diz Felipe Moraes, CEO da Bamboo DCM, fintech que estreou no mercado em 2022, cresceu 150% em 2024 e agora é uma butique independente especializada em soluções de crédito estruturado.
Com a forte queda dos prêmios de risco pagos pelos títulos, os FIDCs despontaram em 2024 como alternativa para compor a carteira e incrementar o rendimento das aplicações focadas em crédito privado. Também ganharam espaço nos investimentos corporativos e, em menor grau, no varejo.
O resultado foi um crescimento de 185% na captação líquida, que atingiu R$ 113,5 bilhões, a segunda maior de 2024, perdendo apenas para os fundos de renda fixa, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Já os fundos de crédito amargaram captação líquida negativa em novembro e em dezembro depois de 18 meses consecutivos de alta.
Pode entrar na carteira de um FIDC todo tipo de crédito. Por exemplo, uma construtora “cede” as parcelas que tem a receber pela venda de um imóvel, e antecipa esse valor, pagando uma espécie de “pedágio”, a taxa de desconto desse recebível cobrada pelos fundos.

A rentabilidade dos fundos, dessa forma, sofre influência da taxa de inadimplência do setor, do provisionamento para devedores duvidosos, da data da liquidação, entre outros fatores, segundo Décio Bapttista Santos, sócio fundador da Liberum Ratings, especializada na classificação de crédito de fundos multicedentes e multisacados (quando há várias empresas, devedores e setores na carteira) e que monitora mais de 230 FIDCs mensalmente.
Estudo da Liberum mostra que a elasticidade da taxa de desconto contra o CDI é de 0,17. Isso significa que, para cada elevação ou redução de 1 ponto percentual no CDI, a taxa de desconto sobe ou desce aproximadamente 0,17 ponto percentual.
“Mesmo quando os juros foram a 2% ao ano a taxa dos FIDCs não caiu tanto. Não são diretamente proporcionais”, afirma. “O risco limita o repasse da queda e a concorrência impede altas maiores.”
O estudo foi feito nos FIDCs da base de dados da agência, com patrimônio estimado em cerca de R$ 40 bilhões, de julho de 2022 a novembro de 2024.
No total, o patrimônio líquido da classe chegou a R$ 589,3 bilhões em dezembro de 2024, conforme a Anbima, um aumento de 33% frente ao mesmo mês de 2023. As emissões atingiram R$ 81,4 bilhões no ano, o segundo maior volume anual entre os instrumentos do mercado de capitais, o que representa um aumento de 86,1%.
“É importante não confundir falta de volatilidade da cota com falta de risco”, alerta Evandro Buccini, diretor de renda fixa e crédito da Rio Bravo Investimentos, do ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco. “Em média hoje no mercado, os retornos e as garantias são bons, mas é crédito, por isso é bom diversificar e olhar os detalhes, como gestor, diversificação e histórico”, diz.
Tradicional no mercado imobiliário, com R$ 11 bilhões sob administração, a asset fez em novembro de 2024 oferta pública do primeiro FIDC sob sua gestão, voltado a investidores profissionais e formado por direitos creditórios de consórcios, em duas séries, num total em torno de R$ 65 milhões. Até então a casa havia apenas distribuído um total de R$ 500 milhões em fundos da modalidade.
O executivo afirma que o ambiente ainda está favorável para o crédito, ao mesmo tempo em que a regulamentação da classe pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) avançou nos últimos dez anos. Buccini lembra que os FIDCs passaram por testes e mostraram resiliência, como, por exemplo, na pandemia. “Não há risco sistêmico e os fundos multicedente/multisacado navegaram muito bem.”
Agora, a Rio Bravo quer atuar na área para o setor de infraestrutura, que tem bons recebíveis de prazo longo e bastante originação na classe. Segundo ele, o mercado de crédito privado é mais sujeito a soluços como aconteceu em novembro e dezembro. “Os títulos ficam muito no limite com spreads [prêmios de risco] tão baixos.”
O grupo global de serviços financeiros e administração de fundos Apex, que reúne US$ 3,4 trilhões sob administração e custódia, vê nos FIDCs a grande oportunidade no momento de mercado no Brasil, afirma Roberto Cortese, chefe da América Latina e diretor regional executivo. Dos R$ 500 bilhões sob custódia no Brasil, a maior parte está em fundos de investimentos em participações (FIPs) e imobiliários (FIIs), mas estes segmentos devem enfrentar este ano ambiente desfavorável.
Em janeiro, o Apex Group anunciou parceria com a B3 que permite o registro de cédulas de crédito bancário (CCBs) e duplicatas em FIDCs com menor custo. “Essa parceria atende as mudanças introduzidas pela Instrução 175 da CVM, que trouxeram bons ventos para os FIDCs”, afirma Cortese.
Entre as mudanças, está a possibilidade de oferta para o varejo, necessariamente em cotas seniores – que oferecem menor risco, já que casos de inadimplência são cobertos pela cota subordinada -, e com avaliadora de risco externa. A regra começou a vigorar em outubro de 2023. Em 2024, a classe teve forte crescimento mas ainda responde por uma parcela pequena da carteira das pessoas físicas: 2,66% dos R$ 7,24 trilhões correspondentes ao que aplicam em produtos financeiros.
O volume chegou a R$ 15,98 bilhões em outubro de 2024, um aumento de 115,9% frente ao mesmo mês de 2023, de acordo com a Anbima. No varejo tradicional, os FIDCs cresceram 316%, para R$ 5,66 bilhões. Na alta renda, 218,7%, para R$ 5,80 bilhões.
A Rio Bravo ainda não pretende investir nesse público. Buccini diz que há esse desejo, mas há passos operacionais que precisam ser dados na gestora para atender aos requisitos da legislação que, para ele, “está certa em colocar amarras.”
Já CVPAR disponibiliza neste mês na plataforma do BTG Pactual um Fundo de Investimento em Cotas (FIC) de FIDCs aberto, com aplicação mínima de R$ 1 mil na cota sênior, capacidade para R$ 1 bilhão e resgate em 90 dias. O fundo será formado por cotas seniores de outros 20 FIDCs e terá meta de retorno de CDI mais 2% ao ano. A gestora recebeu recentemente autorização do Banco Central para criar uma Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM), que começa a ser operacional em março.
De acordo com Moraes, da Bamboo, embora seja o investidor institucional que vem fortalecendo os FIDCs, o fluxo maior de pessoas físicas também ajudou a direcionar muitas gestoras para esse mercado, o que aumentou a concorrência. “A renda variável vem perdendo a atratividade, enquanto a melhora tecnológica dos FIDCs dá mais transparência ao setor.”
Ele diz que os assessores de investimento aprenderam a falar desses fundos e vê na maior presença do varejo um indício de amadurecimento do segmento. “Quando bem estruturado e com uma carteira pulverizada, o risco não é concentrado. A cota subordinada é como se fosse um seguro.”
O CEO da Bamboo, que origina, estrutura, distribui e monitora a saúde de um total de R$ 40 milhões em FIDCs, afirma que uma subordinação entre 20% e 25% da cota sênior é suficiente quando a carteira é saudável. Moraes explica que, quando a subordinação chega a 40%, mostra que os créditos têm perdas grandes ou concentração em um mesmo cliente.
Fonte: https://valor.globo.com/financas/noticia/2025/02/07/empresas-buscam-fidc-com-aperto-no-credito.ghtml
