Gestoras de dívida crescem 173% em seis anos, mas crescimento pode desacelerar com fim do ciclo de
aperto monetário e fim de isenções tributárias

Com a Selic a 15%, o mercado de dívida segue sendo a galinha dos ovos de ouro – apesar
dos spreads amassados. Com isso, a quantidade de gestoras de fundos especializadas no
crédito privado quase triplicou em seis anos, superando casas de ações, imobiliário,
multiestratégia e até renda fixa.
Até abril de 2025, havia 164 casas com foco em títulos de renda fixa privados (CDBs, LCIs,
LCAs, CRIs. CRAs, debêntures e FIDCs). Em 2019, eram apenas 60, ou seja, o número
avançou 173%, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados
Financeiro e de Capitais (Anbima).
“Com a taxa básica de juros em patamares elevados, os ativos de renda fixa ganharam
protagonismo. Nesse ambiente, o crédito privado passou a ser uma alternativa eficiente de
diversificação, muitas vezes, oferecendo prêmios superiores ao CDI”, afirma Pedro Rudge,
diretor da Anbima.
Mas o que será dele daqui para frente? A implementação do Imposto sobre Operações
Financeira (IOF) de 0,38% nas cotas dos FIDCs e a possibilidade do fim de isenção do
Imposto de Renda (IR) para diversos instrumentos do crédito privado podem mudar o
cenário.
Para Guilherme Barredo, consultor de investimentos, a eventual perda da isenção de IR
para esses ativos tende a reduzir sua atratividade relativa, já que, atualmente, o benefício fiscal é um dos principais diferenciais desses instrumentos em relação a outros
ativos de renda fixa.
“Caso essa vantagem seja reduzida, o mercado precisará reprecificar esses papéis,
exigindo spreads de crédito mais elevados para compensar o novo tratamento tributário —
o que pode afetar tanto o custo de funding das empresas quanto o apetite dos investidores”,
afirma Barredo.
Já a incidência do IOF sobre as cotas de FIDCs passou por um movimento de idas e vindas
que causou insegurança jurídica, explica Eduardo Barbosa, sócio fundador do Grupo
Multiplica. Primeiro, houve o decreto, que foi derrubado pelo Congresso. Depois, o STF
reverteu a decisão.
“Esse vai-e-vem causou instabilidade pontual nas captações. No entanto, o mercado
demonstrou resiliência. A demanda por FIDCs se manteve firme, e agora que o tema
começa a se pacificar, o ritmo de captações voltou a se estabilizar, mantendo a trajetória de
crescimento do setor”, comenta.
Mas, para Rubge, da Anbima, o que pode mesmo alterar o cenário para o crédito privado é o
ciclo de juros. Nesses seis anos analisados pela associação, a Selic saiu de 2% para 15%, o
que favoreceu o mercado de dívida. Agora, com o esperado fim do aperto monetário, esse
cenário poderá mudar.
Apesar dos avanços na indústria de fundos, como a CVM 175 que estabeleceu a abertura
dos FIDCs para varejo, o Brasil ainda está muito atrás de outras economias como a dos
Estados Unidos, onde há maior desintermediação bancária e um volume
significativamente superior de operações.
No Brasil, o crédito privado ainda representa, segundo a Anbima, apenas 18% da carteira
dos fundos. “O mercado brasileiro de crédito privado está em processo de
amadurecimento. Com o avanço regulatório e o aumento da sofisticação dos investidores,
há espaços para expansão e consolidação dessa classe de ativos.”
Mas não quer dizer que o crédito privado ficará para trás. Os especialistas comentam
que as altas taxas ainda no curto prazo, com previsão de ficarem assim até o primeiro
trimestre de 2026, favorecem o mercado de dívida. Além disso, a MP 1.303/2025 que
estabelece o fim da isenção do IR para LCIs, LCAs, CRIs, CRAs e debêntures incentivadas
ainda está em tramitação e só valeria para o começo de 2026.
Vale a pena investir em crédito privado?
No meio do crescimento do crédito privado, mas de perspectivas de perda de atratividade,
onde fica o investidor? Segundo especialistas, há uma compressão relevante nos spreads resultado da alta demanda e da escassez de ativos com bom risco-retorno.
“É fato que a concorrência por bons nomes apertou preços no primário. Em algumas
emissões pós-CDI, vimos taxas saindo abaixo de 100% do CDI, e no IPCA+ os cupons reais
também cederam”, explica Barbosa.
Barredo destaca três principais riscos nos ativos de crédito privado: risco de crédito, risco
de liquidez e risco de marcação a mercado. Para ele, o risco de crédito é o mais relevante,
pois envolve a chance de o emissor deixar de pagar os juros ou o valor principal da
dívida.
“Esse risco ficou evidente em casos recentes, como os de Americanas, Light e Gol, que
passaram por processos de recuperação judicial entre 2023 e 2024, gerando perdas
relevantes para investidores”, diz.
Diante desses riscos, sobretudo ao investir por meio de fundos, é fundamental que a
alocação respeite o mandato, haja diversificação entre emissores e setores, alinhamento
entre o prazo de resgate e a liquidez dos ativos e seja mantido um controle de capacidade
patrimonial para garantir a boa gestão com o crescimento.
Barbosa também dá a dica: “Para o investidor, isso exige ainda mais disciplina: preço
sem estrutura não se sustenta”. Segundo, ele, a resposta está em engenharia de crédito:
subordinação efetiva, cláusulas contratuais que funcionam, garantias executáveis, critérios
de elegibilidade de lastro bem definidos, limites de concentração e monitoramento de
carteira em alta frequência.
“Há espaço para o crédito privado mesmo com tanta instabilidade, especialmente para
ativos de alta qualidade (high grade). O crédito privado continua a ser uma parcela
importante nas carteiras, porém exige atenção redobrada diante do cenário atual de
instabilidade”, conclui Barredo.