Novas opções de títulos vêm ganhando força diante de previsão de leve recuperação do agronegócio e mercado menos disposto a comprar CRAs
Da euforia em 2023 ao tombo em 2024, nem os próprios gestores que atuam no setor do agronegócio têm boas previsões para os Fiagros, os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais, neste ano. A sucessão de pedidos de recuperação judicial no ano passado levou a uma queda média de 25% nas cotas dos fundos negociados na B3, o que assusta a pessoa física, público principal da aplicação por oferecer isenção de Imposto de Renda (IR). Somado ao aperto monetário no país e ao temor de taxação após veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de artigo que isentava os fundos de pagar Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a expectativa é de um ano “estacionado”.
Ontem, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o governo pretende, por meio de uma emenda à lei complementar ou novo projeto de lei, unificar as interpretações relativas a fundos imobiliários (FIIs) e Fiagros. A ideia é que a demanda seja apresentada ao novo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
Enquanto isso, a necessidade de financiamento do setor é de R$ 1,1 trilhão, contra um estoque de R$ 600 bilhões no Plano Safra, segundo dados da Avra Consultoria, de Octaciano Neto, ex-secretário de Agricultura do Espírito Santo. E os Fiagros devem seguir perdendo espaço. A alternativa mais usada em 2025 deve ser os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) e outros títulos de emissão mais barata que os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), que concentravam as operações mas atualmente deixados de lado pelos investidores.
“Não tem saída, porque os setores bancário e público não dão conta; a soma de toda a riqueza do campo cresce mais rápido”, diz ele.
As previsões para o ano são de ligeira recuperação no setor, que pode crescer em torno de 5%. Um exemplo é a Cédula de Produto Rural (CPR), um título que representa uma promessa de entrega futura e que, na nova regulamentação dos Fiagros em vigor a partir do próximo dia 3 de março, se tornará elegível inclusive para a carteira dos Fiagros-FII.
“Não tem saída, porque os setores bancário e público não dão conta; a riqueza do campo cresce mais rápido” — Octaciano Neto
O custo para emitir e registrar uma CPR é de apenas R$ 100, explica Neto. Ele cita dados que mostram que as operações com de CPRs vêm crescendo em maior velocidade que os CRAs. Em dezembro de 2020, o estoque era de R$ 22 bilhões, foi a R$ 302 bilhões em 2023 e, em dezembro de 2024, a R$ 476 bilhões. Já o dos CRAs foi de R$ 127 bilhões em dezembro de 2023 para R$ 152 bilhões no fim do ano passado. As emissões de CRA no ano passado caíram 8%, enquanto as dos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) cresceram 20%.
“É natural o freio, é uma limpa”, diz Silvio Tertuliano, CEO da Field, gestora focada no agronegócio criada neste ano em sociedade com a Buriti, especializada em FIDCs. Segundo ele, as empresas que pediram recuperação judicial já estavam apertadas, mas, como havia excesso de recursos disponíveis, seguiram rodando. Mas, acrescenta, depois de queda nos preços das commodites, problemas climáticos e alta de juros, os Fiagros começaram a mirar em rentabilidade de CDI mais 6%. “Não existe milagre, a empresa que paga isso está apertada.”
O CEO da Field destaca que, depois do susto no ano passado, os prêmios de risco dos CRAs se acomodaram. Levantamento da MerCap Solutions, plataforma de inteligência de dados e serviços de tecnologia para o mercado de capitais, a pedido do Valor, mostra que, considerando todas as operações de CRAs emitidos com prazo entre três e 10 anos, os spreads mensais médios saíram de 2,48% em julho para 4,67% em outubro de 2024, nas séries com indexador em CDI. Para as séries em IPCA, a alta foi de 6,62% em julho para 9,14% em setembro. A partir de novembro, diz o estudo, vieram acomodando, e hoje estão em 4% em média (séries corrigidas pelo CDI) e 7,29% (corrigidas pelo IPCA), portanto, abaixo do pico observado em setembro e outubro e acima do vale em julho.
“No agro não se pode entrar de alegre”, diz Paulo Fleury, gestor de crédito e operações financeiras para o agronegócio da eB Capital. De acordo com Fleury, qualquer instrumento de crédito tem default, mas hoje o cenário do setor é diferente. “Antes os produtores ameaçavam quebrar e o governo dava mais dinheiro. Agora, o capital privado vai fugir porque consegue separar quem fez dever de casa.”
Além disso, há o agravante da maior visibilidade. O setor não era exposto ao grande público até a chegada dos Fiagros. “O problema é que o agro virou o queridinho do mercado e todo mundo achava que seria um cenário igual ao dos fundos imobiliários, que têm os aluguéis mensais estáveis.” Tertuliano também vê migração para os FIDCs, que têm a cobertura da cota subordinada em caso de default (os fundos são divididos em cotas sênior, mais seguras e que rendem menos; mezzanino, de risco médio; e subordinadas, que rendem mais mas cobrem casos de inadimplência e garantem os rendimentos da cota sênior). A Field está estruturando quatro FIDCs e a expectativa é fechar o primeiro trimestre com R$ 650 milhões e o ano com R$ 1 bilhão sob gestão.
Octaciano Neto deixou o cargo de diretor de Agronegócios da Suno para criar a Avra Consultoria no fim do ano passado, de olho no nicho ainda mal atendido de empresários médios, que querem captar até R$ 70 milhões. A empresa prepara a companhia para recorrer ao mercado de capitais e estrutura a operação. Neto é mais um que vê demanda maior por FIDCs, que “não estão machucados como” os Fiagros. “A popularização dos Fiagros trouxe um grupo que não estava acostumado às oscilações do setor. Fora que as assets ainda estão formando uma geração de gestores e investidores.” Ao mesmo tempo, comenta, as CPRs, depois de melhorias regulatórias nos últimos três anos, vêm se consolidando como instrumento forte.
Já Vitor Duarte, diretor de investimentos da Suno Asset, ainda tem esperanças de recuperação dos Fiagros neste ano. “As cotas na bolsa refletem o retrovisor e estão exageradamente depreciadas”, critica. “Se não acontecerem eventos desfavoráveis, e não temos nada mapeado, é provável que o investidor desperte.” Mesmo com toda a crise do ano passado, o patrimônio líquido dos Fiagros cresceu 19,6%, passando de R$ 34,7 bilhões em 2023 para R$ 41,5 bilhões em 2024, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). No entanto, o volume de emissões caiu de R$ 8,9 bilhões para R$ 4,8 bilhões, o que representa um recuo de 45,3%.