Bruno Funchal integrou equipe econômica da gestão Bolsonaro e hoje é CEO de uma das maiores administradoras de fundos do Brasil

Com ampla experiência acadêmica e de gestão pública e privada, o economista Bruno Funchal, 46 anos, é atualmente um dos profissionais mais respeitados em sua área no Brasil. Especialista em finanças, mercado de crédito e macroeconomia aplicada, concluiu doutorado em economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ) e pós-doutorado pelo Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA).
Em Vitória (ES), aceitou proposta para lecionar na Fucape Business School. No mesmo Estado, teve sua primeira experiência em administrações públicas, exercendo o cargo de secretário da Fazenda entre 2017 e 2018. De lá, foi convidado para a equipe econômica do governo federal chefiada por Paulo Guedes, atuando, entre outras funções, como secretário do Tesouro Nacional, entre 2020 e 2021. Após deixar o ministério, assumiu em 2022 o cargo de CEO da Bradesco Asset Management, uma das maiores gestoras de fundos do país.
Nesta entrevista exclusiva a Zero Hora, Funchal relembra a passagem pelo governo federal sob a liderança de Guedes. O economista também comenta a situação atual do Brasil, incluindo a recente elevação do IOF, os efeitos do tarifaço imposto por Donald Trump e a trajetória da taxa Selic.
Você foi secretário do Tesouro Nacional entre 2020 e 2021. Quais foram os principais desafios que encontrou no cargo?
Trabalhar em governo, em geral, é bastante desafiador, você tem muitos problemas para resolver, mas é um privilégio. Você tem a possibilidade de, com um grupo bom, entregar coisas que de fato fazem diferença para a população. Acho que, para o bem ou para o mal, quando você está na administração pública, você consegue direcionar medidas, fazer políticas públicas bem estruturadas, bem discutidas, e depois acompanhar seus efeitos. E no governo federal é isso em uma escala muito maior.
A gente pegou o período da pandemia, que foi muito desafiador, mas tínhamos um grupo bastante unido e muito engajado em fazer o que tinha que ser feito, entregar boas soluções, liderados pelo ministro Paulo Guedes, trabalhando 24 por 7, com uma capacidade de trabalho e de entrega muito grande. Foi bastante desafiador, mas também recompensador.
Como você avalia o período do ministério da Economia sob o comando do ministro Paulo Guedes? Quais foram as principais conquistas daquele período, e, para você, o que faltou conseguir fazer?
Acho que a gente avançou muito na direção correta. A gente já tinha uma agenda bem estruturada vinda do governo Temer, e teve uma continuidade no governo Bolsonaro, com algumas coisas novas. A parte fiscal foi algo que teve continuidade, com a defesa do teto de gastos, que a gente via como uma regra importante para trazer previsibilidade para as contas públicas, estabilidade da dívida, para fazer com que o ambiente econômico fosse melhor, com juros mais baixos.
Outro ponto que avançou foi uma melhoria institucional, como, por exemplo, a autonomia do Banco Central. Também dentro da agenda fiscal, teve a reforma da Previdência, com um viés ainda mais liberal. A própria lei da liberdade econômica foi algo muito importante, que deu base para reduzir o fardo do Estado no ambiente de negócios.
Também tivemos avanços em marcos regulatórios, o que ajuda muito no avanço de investimento privado, como no marco do saneamento, e ainda avançamos na agenda de privatizações, com o caso emblemático da Eletrobras, entre outras. A agenda era mais ampla, mas política, no fundo, é assim: você quer fazer cem, mas negocia para fazer pelo menos 50, e vai avançando.
O ministro Guedes recebeu críticas naquele período. Alguns alegavam que ele prometeu mais privatizações do que entregou, e outros citavam que extrapolou algumas vezes o teto de gastos. Como você enxerga essas leituras?
Sobre o primeiro ponto, na minha visão, era uma tática do Guedes, e eu acho uma tática acertada, propor algumas visões ousadas, um grande volume de privatizações, de economia de gastos. Era mais fácil de comunicar e de perseguir esses objetivos.
Das privatizações, o processo da Eletrobras foi muito simbólico, também tiveram outros, quase privatizamos os Correios, e teve um ensaio para iniciar o processo na Petrobras também. Acho que essa metodologia de engajamento e comunicação ajudou muito a chegar onde chegou. Se não tivesse prometido tanto, não teria chegado tão longe.
Em relação ao “fura teto”, o Guedes sempre foi superengajado em entregar o fiscal. A ponderação que ele fazia era: “Não adianta você ter o teto se não fizer a parede”. Ele falava que o teto por si só não era suficiente, é um problema parecido com o que a gente tem hoje, você tem as despesas obrigatórias crescendo, se você limita a despesa total e não trabalha as despesas obrigatórias, você vai comprimir as despesas discricionárias, e o teto vai acabar caindo. A crítica dele era: “Não adianta você fazer o teto se as paredes não vão sustentar”.
Como você avalia o recente aumento do IOF promovido pelo governo federal e confirmado pelo STF? Quais os efeitos que você enxerga e como você contextualiza essa medida no esforço do governo federal para cumprir a meta fiscal?
Quando o governo faz uma medida de elevar o IOF por motivos arrecadatórios, mostra que esgotou o espaço para resolver o fiscal pelo lado da receita. O IOF é um imposto regulatório e gera fricção na economia, dificulta a produção dos agentes econômicos, deixa o crédito mais caro, dificulta o fluxo de dinheiro, de câmbio. Então, traz custos que prejudicam a economia.
Por um lado, pode ser positivo para o governo, para resolver o problema da arrecadação. Por outro lado, você pode ter esse efeito negativo na economia. Não é a mesma coisa que pegar um imposto que está mal construído e diminuir distorções, que era a tática do Ministério da Fazenda, como com a tributação de fundos exclusivos, por exemplo. O IOF não, porque para arrecadar, gera um custo para a economia.
A mensagem que fica é que para o fiscal foi bom, ajuda a cumprir a meta, mas o instrumento sendo o IOF acaba sendo negativo para a economia.
Nesse mesmo contexto, como você avalia os efeitos do tarifaço imposto pelos Estados Unidos, e também o anúncio recente do plano de contingência do governo federal para apoiar as empresas atingidas, mas que também aumenta os gastos do governo não contabilizados na meta fiscal?
É, não precisava ser fora da meta, mas vamos lá. Primeiro, o efeito macro do tarifaço não é tão significativo para a economia brasileira como um todo, para fins de PIB por exemplo, o impacto é baixo. Em termos de inflação, para o Brasil pode ser positivo, ter um efeito deflacionário em razão da maior oferta de alguns produtos no mercado interno, mas tem o impacto negativo na balança comercial. Mas talvez o pior, em termos do tarifaço, são os cenários alternativos que podem acontecer se escalar esse imbróglio entre os dois países.
Agora, o efeito micro é muito relevante. Alguns Estados estão sendo mais atingidos do que outros, e vocês sabem bem disso aqui no Rio Grande do Sul, e tem também alguns setores específicos que estão sendo mais impactados, que têm produtos específicos para o mercado norte-americano, que são mais difíceis de realocar em outros mercados. Então, ter um auxílio para esses mais afetados faz sentido, é necessário, mas um auxílio precisa ter início, meio e fim.
Não pode ser um auxílio para deixar as empresas dependentes, é um auxílio para você se reestruturar e mudar sua estratégia de negócios, vender onde tiver mercado, mesmo tendo todo esse cenário externo complexo. É preciso entender a especificidade da situação e ser preciso no benefício, para que não tenha uma oneração tão grande do fiscal.
Sobre ser fora da regra, eu acho que era desnecessário. O governo tem espaço, contingenciou muitos recursos. Mas que precisava ajudar de alguma forma, penso que sim.
Como você avalia a possibilidade de o governo federal alterar a meta fiscal para 2026?
Eu acho ruim, porque aí seria uma pá de cal na credibilidade, o próprio arcabouço acaba perdendo como um todo a credibilidade. Acho que, de qualquer forma, o arcabouço vai acabar tendo que ser revisto para o outro ano, até para discutir os precatórios.
O grande ponto do arcabouço é que precisa ser uma regra que traga credibilidade e previsibilidade. Quando você não sabe se o governo vai cumprir a regra ou não, ou se dentro da meta você tira despesa, e aí não consegue mais fazer a conta direito, ou você tem dúvida se vai cumprir ou se vai mudar a meta, para de trazer credibilidade e previsibilidade.
Mesmo com o regramento do arcabouço, o juro real está a 7,5%, a dívida pública está em crescimento, deve fechar esse ano em 180% do PIB. Então, alguma coisa está errada, não conversa com a entrega de um déficit zero. A gente precisa de soluções mais estruturais para de fato trazer credibilidade, porque no final do dia, isso que é importante do ponto de vista fiscal.
Como você enxerga esse atual ciclo da taxa Selic no Brasil, que na última reunião do Copom foi mantida em 15%, ainda em patamar elevado? A queda do índice deve ocorrer mesmo somente a partir de 2026?
É isso, a nossa previsão é que comece a baixar a partir de maio de 2026. Assim, para onde vão os juros no Brasil? Se for olhar para um componente global, há um cenário positivo, porque a gente está prevendo uma queda do juro americano, e aí um dólar mais fraco por causa dessa queda. A economia norte-americana está com muita incerteza institucional, e isso de certa forma pode ajudar o Brasil, se acabar vindo mais dólares pra cá.
Mas quando a gente olha internamente, qual é o cenário? A gente hoje tem uma economia aquecida, com o mercado de trabalho superapertado, e um crescimento razoável para esse ano, ainda. A gente tem um gasto fiscal que ainda deve ser grande no segundo semestre, temos políticas de crédito do governo, a política da Caixa que pega recursos do fundo social para dar crédito subsidiado para imóveis, e a gente tem a própria lei do imposto de renda da pessoa física, que pode gerar mais renda disponível. Então, tudo isso gera mais atividade, o crédito consignado abre espaço para as pessoas consumirem mais. Tudo isso é impulso para a economia, o que dificulta cair os juros.
Então, o que temos é o Banco Central tentando frear a economia, e o fiscal e as políticas do governo acelerando a economia — o que é natural também, na medida que a gente se aproxima da eleição, o governo vai fazer algumas medidas para acelerar a economia, e vamos inclusive ter também medidas nesse sentido dos Estados, você vai ter governos investindo mais, fazendo mais ações fiscais para acelerar a economia.
Por conta desse conflito do fiscal mais para acelerar a economia e do monetário para frear, caracterizando esse desalinhamento, fica mais difícil reduzir a inflação. Por isso que a gente acha que ainda demora para cair os juros, só por meados do ano que vem, e mesmo assim ainda deve ficar alto, em torno de 13%.
E como você avalia esse crescimento reforçado justamente pelo consumo no Brasil?
Isso é um desafio. Muito do crescimento tem sido via consumo. A gente vê a massa de renda aumentando, o mercado de trabalho apertado, políticas de crédito, isso tudo fomenta o consumo. Para você ter um crescimento sustentável, é importante que seja baseado em ganho de produtividade. A gente vê pouco avanço nesse sentido, é um debate que a gente precisa ter, porque o foco fica muito no fiscal, e o fiscal, no fundo, para um crescimento econômico, é só uma das partes do tripé macro, e a gente fica em uma discussão só do fiscal, que é importante, mas é uma pequena parte do todo. O crescimento está sendo baseado em consumo, mas crescimento baseado em consumo é limitado, e com juro alto, mais ainda.
Nesse panorama, quais são os investimentos que você tem mais indicado, tentando minimizar o risco embutido nesse cenário atual?
Vamos considerar dois pontos: primeiro que o juro é alto; e um segundo que o juro é alto, mas aparentemente chegou a um teto. Nesse primeiro cenário de juro alto, tem os investimentos ligados ao CDI, investimentos indexados, debêntures incentivadas, temos indicado muito isso e tem feito sucesso. Como você não tem imposto, fazendo uma conta rápida, se você tem um investimento no CDB de 100%, 15% ao ano, é como se tivesse ganhando 17,3% se você coloca um investimento incentivado que pague 100% do CDI. Se você compra um pouquinho abaixo do CDI no incentivado, ainda assim é mais do que um não incentivado.
Mas um cenário em que o juro é alto, mas chegou no teto e tem um espaço para reduzir no ano que vem, é razoável você ter alguma exposição e alguma coisa de risco. Então, você tem alguns investimentos de renda fixa ativa, que exploram os prefixados e os títulos de inflação, ou investimentos de bolsa, inclusive. Pode ser um investimento de bolsa que não procura ficar direcional, mas ficar neutro em bolsa, algo que a gente chama de long and short, também são investimentos interessantes.
Então, diversificar para algumas classes de risco também é interessante, faz sentido quando a gente chega ao teto e os juros começam a cair. Se você chegou ao teto dos juros e começa a diversificar para renda fixa com risco, pré-fixado e títulos de inflação, historicamente, eles rendem mais do que o CDI, mais do que o pós-fixado. Se você pegar os últimos cinco ciclos monetários, quando você tem estabilidade e queda de juros, renda fixa com risco, pré-fixado ou a inflação performa melhor do que o pós-fixado.

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