Ata do Copom cita incertezas nos EUA e inflação resistente no Brasil para justificar a manutenção da taxa Selic em 15% ao ano. Piora de quadro fiscal também preocupa
Por Rafaela Gonçalves – postado em 06/08/2025 03:00

O Comitê de Política Monetária (Copom) reforçou que a taxa básica de juros (Selic), deve continuar em um patamar alto por “período bastante prolongado”. Na ata de sua última reunião, divulgada ontem, o colegiado atribuiu a manutenção dos juros em 15% ao elevado grau de incerteza no cenário externo — marcado pela conjuntura e pela política econômica dos Estados Unidos — e às expectativas de inflação ainda desancoradas no contexto doméstico.
“O Comitê enfatiza que seguirá vigilante, que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e que não hesitará em prosseguir no ciclo de ajuste caso julgue apropriado”, destacou o documento, reforçando o comunicado do Copom da semana passada, após a decisão unânime para manutenção da Selic no atual patamar.
O colegiado afirma que tem acompanhado, com particular atenção, os anúncios referentes à imposição pelos EUA de tarifas comerciais ao Brasil. “A elevação por parte dos Estados Unidos das tarifas comerciais para o Brasil tem impactos setoriais relevantes e impactos agregados ainda incertos, a depender de como se encaminharão os próximos passos da negociação e a percepção de risco inerente ao processo.”
Diante desse cenário, o Copom apontou que “deve preservar uma postura de cautela”. “Como usual, o Comitê focará nos mecanismos de transmissão da conjuntura externa sobre a dinâmica de inflação interna”, informou outro trecho do documento.
Para André Matos, CEO da MA7 Negócios, a ata reforça a postura cautelosa do Banco Central em relação aos cortes na taxa de juros. “Apesar da melhora nos índices de inflação e de um mercado de trabalho relativamente firme, o ambiente internacional está mais volátil e os riscos fiscais aqui dentro continuam altos”, afirmou. Segundo ele, mesmo com a inflação em trajetória de queda, o Comitê optou por manter a Selic em 15% e sinalizou que só tomará medidas mais claras quando houver maior visibilidade sobre o cenário econômico. “O motivo principal é o aumento das incertezas fiscais, em especial, o impacto do tarifaço dos Estados Unidos sobre os produtos brasileiros”, destacou.
Matos chamou atenção para o trecho da ata que menciona diretamente os efeitos negativos da taxação norte-americana sobre o crescimento econômico e a confiança dos agentes de mercado. Além disso, apontou o risco de deterioração da percepção de solvência do país caso não haja avanço em medidas de ajuste fiscal. “Isso significa que o BC está mais cauteloso e que qualquer corte de juros à frente depende de um conjunto de fatores: inflação seguindo em queda, expectativas bem ancoradas e melhora no ambiente fiscal. Ou seja, sem avanço real nessas frentes, o juro alto continua”, acrescentou.
Inflação x fiscal
Sobre a inflação, a ata reforçou que, embora o cenário recente tenha apresentado surpresas abaixo das projeções dos analistas, o índice geral permaneceu acima da meta, de 3%, com teto de 4,5%, no horizonte monitorado pelo BC. “Para além das variações dos itens, ou mesmo das oscilações de curto prazo, os núcleos de inflação têm se mantido acima do valor compatível com o atingimento da meta há meses, corroborando a interpretação de uma inflação pressionada pela demanda e que requer uma política monetária contracionista por um período bastante prolongado.
Segundo Volnei Eyng, CEO da gestora Multiplike, a ata apenas confirma o que o Banco Central já vinha sinalizando. “A inflação começou a ceder, mas ainda está longe do ideal. O problema é que as expectativas continuam desajustadas, e isso exige manter os juros altos por mais tempo”, disse o economista, que ressaltou que o cenário ficou mais complicado com as tarifas impostas pelos Estados Unidos. “Isso aumenta o custo de exportar, pressiona o dólar e pode gerar novos aumentos de preços aqui dentro”, explicou.
Além disso, o Copom informou que segue acompanhando a política fiscal. O Comitê reforçou que a perda de impulso nas reformas estruturais, o enfraquecimento da disciplina fiscal, o avanço do crédito direcionado e as incertezas quanto à estabilização da dívida pública podem elevar a taxa de juros neutra da economia. Segundo o colegiado, isso obrigaria também a manter a Selic alta por mais tempo. “O debate do Comitê evidenciou, novamente, a necessidade de políticas fiscal e monetária harmoniosas.”
As dúvidas sobre como o governo vai equilibrar as contas deixam o mercado mais inseguro e obrigam o Banco Central a ser mais cauteloso, conforme reforçou Eyng. “Na prática, o crédito já está mais caro e mais difícil. O consumo começa a desacelerar, mas o emprego ainda está forte. A economia não parou, mas já mostra sinais de freio.”
Fonte:https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2025/08/7219203-bc-preve-cenario-de-juro-alto-por-periodo-bastante-prolongado.html