Entender riscos cruzados é tema emergente na literatura de finanças.
No presente trabalho, mostro evidências de que a relação cruzada entre o crédito às empresas e o crédito para os seus sócios não pode ser ignorada. Especificamente, é feito um exercício onde se acompanhou coortes de informações sobre os créditos a sócios em cujas empresas ocorreu novo atraso. Também foi feito o acompanhamento reverso, isto é, monitorando o efeito sobre o crédito das empresas quando um sócio entra em atraso. Por fim, apresento exemplo de monitoramento de carteira com potenciais efeitos de riscos cruzados e discuto as implicações desses achados.
Introdução
Entender riscos é inerente ao processo de concessão e monitoramento de crédito nas instituições financeiras. Economicamente, um credor deve coletar informações de seus tomadores até o ponto em que o benefício marginal da informação (i.e. redução de riscos) se iguale ao custo marginal de obtê-las. Tradicionalmente, o conjunto informacional se refere à entidade jurídica que está tomando os recursos: analisa-se então o perfil pessoal de indivíduos no crédito às pessoas físicas e o balanço de riscos das empresas no crédito às pessoas jurídicas.
Todavia, tal separação entre pessoas e empresas não é sempre razoável em empresas de pequeno porte, de controle concentrado, ou ambos. Nestas, o nexo de conexões entre a pessoa jurídica e a pessoa física pode ser muito mais complexo, não sendo raros os casos de dação de bens pessoais em garantia a operações de crédito das empresas, misturas de recursos físicos e financeiros das empresas e de seus donos, entre outros.
Neste sentido, o presente trabalho apresenta dados do Sistema Financeira Nacional (SFN) que permitem mensurar e monitorar estas externalidades entre sócios e empresas (destes sócios)1. Primeiramente mostrarei evidências de que estas externalidades ocorrem e, que isto se dá em ambas as direções, isto é, tanto de empresas para sócios, quanto de sócios para empresas. Importante, mostrarei que a magnitude de tais spillovers não pode ser ignorada. Em seguida, utilizando dados de 2018 a 2024 mostrarei um exemplo de monitoramento deste risco de crédito cruzado, o qual demonstrará que não somente o contágio existe, mas que o ambiente econômico é um importante mitigador ou amplificador deste efeito, a depender do contexto. Por fim, apresentarei as conclusões.
Desenvolvimento
Para o presente estudo, utilizaram-se dados de 2018 a 2023 provenientes do birô de crédito do Banco Central do Brasil (BCB, 2025). Especificamente, o grupo de tratados para fins deste trabalho é o conjunto de tomadores que ao mesmo tempo: (i) não tiveram nenhum atraso durante doze meses; (ii) ao mesmo tempo apresentaram novos atrasos de 30 ou mais dias na data de referência de um coorte. Para cada coorte, foi acompanhado o desempenho das operações potencialmente contagiadas: por um lado, para o caso de novos atrasos em empresas, foi medido o desempenho das operações às pessoas físicas; por outro, no caso de novos atrasos dos sócios, foi medido o desempenho das operações de crédito às pessoas jurídicas.
A Figura 1 mostra que sócios de empresas que apresentaram um novo atraso têm um incremento relevante de risco no crédito à pessoa física: a inadimplência (ativo problemático2) dos sócios sobe de 2,5% (9%) para 9% (20%) após este choque negativo na empresa. A Figura 2, por sua vez, deixa claro que o potencial de contágio é tão maior quanto menos forte a garantia do crédito: empréstimos tipicamente colateralizados (e.g. imobiliário, consignado) têm pouco ou nenhum contágio, ao passo que empréstimos sem garantias (e.g. cartões, empréstimos não consignados) têm alto contágio.
Tal qual seria esperado, nota-se pela Figura 3 que empresas de menor porte são aquelas em que há maior elevação da inadimplência dos sócios em cujas empresas ocorreu um novo atraso. Apesar de não terem sido reportados aqui, verificou-se ainda que o grau de contágio é menor quando os acionistas possuem outras ocupações (e.g. com emprego CLT), e é maior em sócios de empresas que são a autônomos e empresários sem ocupações secundárias.
Figura 1. Contágio de empresas para sócios

Figura 2. Contágio de empresas para sócios, por modalidade

Figura 3. Contágio de empresas para sócios, por tamanho da empresa

Indo além, replicou-se o mesmo exercício anterior no sentido inverso. Ou seja, a partir de um conjunto de sócios que não tenham atrasos durante os doze meses prévios e um “novo” atraso do sócio, acompanhou-se o desempenho das operações de crédito às empresas nos vinte e quatro meses ao redor deste evento. A Figura 4 mostra que o contágio de sócios para empresas também é relevante e que a magnitude é muito próxima àquela evidenciada previamente.
Figura 4. Contágio de sócios para empresas, por modalidade

Uma vez estabelecida a relação cruzada entre créditos a empresas e sócios de empresas no Brasil, uma consequência natural seria o acompanhamento, de forma conjunta, de riscos em empresas e sócios destas empresas. Na Figura 5 é mostrado o percentual de operações inadimplentes de sócios cujas empresas têm atrasos acima de 90 dias (Painel A); e, de créditos em empresas cujos sócios estão inadimplentes (Painel B). Nota-se ali que o período da pandemia resultou em menores externalidades creditícias empresas-sócios, o que pode ser resultado tanto de programas governamentais de auxílio à renda das famílias (nas pessoas físicas) quanto de suporte às empresas (nas pessoas jurídicas).
Figura 5. Painel A

Figura 5. Painel B.

Conclusão
No presente trabalho mostro evidências de que as externalidades no risco de crédito entre famílias e empresas não são desprezíveis. Utilizando dados da central de risco do Banco Central do Brasil, são apresentadas evidências de que atrasos em empresas muitas vezes se tornam risco de crédito para os sócios das mesmas. De forma análoga, também é mostrado que o efeito de riscos oriundos nos sócios migrarem para as empresas também existe e é de magnitude similar. Por fim, é apresentado o histórico recente de inadimplência para sócios de empresas que têm créditos em atraso, e de empresas cujos sócios estão em situação de inadimplemento.
Em face dos resultados aqui apresentados, ressalta-se a relevância de instituições financeiras acompanharem de forma conjunta e contínua os riscos de empresas e sócios. Por fim, uma sugestão adicional a partir dos dados aqui reportados seria de que os sócios das empresas tentem maximizar a separação de recursos entre bens individuais e corporativos, de forma a evitar que problemas da empresa se tornem pessoais, e vice-versa.
Fonte: https://www.bcb.gov.br/noticiablogbc/34/noticia

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