CRAs ficam mais restritos a grandes empresas

Emissões caem 26% no ano e spreads de pequenos se distancia, inibindo operações menores Dois anos difíceis para o setor, o barulho em torno do tarifaço de Donald Trump e novas restrições a emissões vêm afastando o investidor dos nomes menos conhecidos do agro. No primeiro semestre, o volume de emissões de certificados de recebíveis…

Emissões caem 26% no ano e spreads de pequenos se distancia, inibindo operações menores

Felipe Moraes, CEO da Bamboo: “O mercado de CRA ainda está reativo e altamente seletivo, concentrando recursos em poucas e grandes transações” — Foto: Rogerio Vieira/Valor

Dois anos difíceis para o setor, o barulho em torno do tarifaço de Donald Trump e novas restrições a emissões vêm afastando o investidor dos nomes menos conhecidos do agro. No primeiro semestre, o volume de emissões de certificados de recebíveis do agronegócio (CRA) amarga queda de 26%, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), num total de R$ 14,2 bilhões em ofertas.


Estudo feito para o Valor pela Bamboo DCM, empresa especializada em crédito estruturado, mostra que, em
quatro dos sete primeiros meses deste ano, não houve nenhuma operação abaixo de R$ 80 milhões. Os spreads
ficaram entre 6,3% e 8% acima do CDI, enquanto no mesmo período do ano passado as taxas oscilaram entre 4% e 8%. Já os prêmios de risco de transações grandes ficaram entre 2,6% e 4,15%.

“Não temos previsão de captar no mercado de capitais, mas com os spreads fora da realidade no momento se
precisarmos de recursos vamos recorrer aos bancos”, afirma Ernesto Cavasin Neto, diretor-geral da Solubio,
empresa de tecnologia de produção de bioinsumos.
No ano passado, a Solubio chegou a ter que tirar do mercado uma oferta de CRAs que estava em fase de
“roadshow” (apresentação a investidores) e cujo objetivo era chegar a R$ 200 milhões. O recuo se deu logo após da recuperação judicial da Agrogalaxy, também controlada pelo fundo Aqua Capital, que por seu tamanho mobilizou grande atenção de investidores. A Agrogalaxy era um dos canais de distribuição da companhia de insumos, que agora retoma o crescimento e espera faturar mais de R$ 200 milhões neste ano, volume recorde.
Como a base de 2024 foi forte, R$ 19,5 bilhões entre janeiro e junho, após das mudanças nas regras de letras de
crédito do agronegócio (LCAs, emitidas pelo bancos) e imobiliárias (LCIs) no início do ano, a queda ficou ainda mais significativa. O volume deste ano representa uma regressão ao patamar de 2023, quando o setor de crédito
privado vivia uma crise pós-Americanas e recuperação judicial da Light. Naquele ano, o total emitido foi de R$ 13,8 bilhões.

O contraponto é o uso dos fundos de direitos creditórios, os FIDCs, ou Fiagros que compram CPRs” — Octaciano Neto

Agora, somam-se ao cenário nova medida de restrição anunciada pelo Conselho Monetário Nacional em junho e a ameaça de tributação desses papéis em 5% a partir de janeiro, conforme medida provisória aguardando
apreciação do Congresso. Felipe Moraes, CEO e um dos fundadores da Bamboo, diz que o recuo em 2025 veio acompanhado de uma diminuição no número de operações: foram 59 emissões no semestre, contra 80 no mesmo período do ano passado, ao mesmo tempo em que o tíquete médio ficou quase estável, passando de cerca de R$ 243 milhões em 2024 para R$ 240 milhões em 2025.

“Há espaço para operações âncoras que moldam o comportamento dos investidores. Sentimos que o mercado de CRA ainda está reativo e altamente seletivo, concentrando recursos em poucas e grandes transações”, diz. “O
pequeno e médio emissor, especialmente aquele que não conta com estrutura robusta ou histórico consolidado,
continua enfrentando baixa receptividade por parte dos investidores.”
Para ele, a maior emissão do semestre – um CRA de R$ 1,2 bilhão emitido pela São Martinho em junho, lastreado
em recebíveis de exportação de soja e com forte demanda institucional – como um exemplo. “A operação não
apenas puxou o volume do mês como ilustrou a preferência do mercado por emissores de primeira linha e com
histórico sólido no agronegócio.”


Octaciano Neto, ex-secretário de agricultura do Espírito Santo e fundador da Zera, consultoria especializada em
soluções de capital para o agronegócio, vê em curso uma mudança estrutural depois das dificuldades de 2023 e
2024 e do crescimento do crédito privado. “As grandes cada vez mais estão buscando o mercado de capitais no
Brasil e no exterior, é um caminho natural porque nos bancos elas não conseguem prazos de 30 anos para pagar,
como foi o caso de emissão da JBS ”, diz.


Neto afirma que 94% da dívida da JBS e 55% do endividamento da Suzano estão no mercado de capitais nacional ou internacional. “Enquanto as empresas vão crescendo e melhorando suas práticas, conseguem acessar os bolsos mais pacientes, sobra balanço nos bancos para financiar pequenos e médios”, diz.


Para os produtores de menor porte, além dos empréstimos bancários, subsidiados ou não, sobram instrumentos
mais simples e baratos, como as cédulas de produto rural (CPRs), cujo estoque cresceu 47% em junho na
comparação com o mesmo período do ano passado. O tíquete médio avançou 15,5%. “É o contraponto desse
movimento natural, o uso dos fundos de direitos creditórios, os FIDCs, ou Fiagros que compram CPRs”, afirma.
Liberadas em março deste ano para entrar na carteira dos Fiagros, as CPRs chegam a custar R$ 5 mil para emissão, enquanto um CRA não sai por menos de R$ 150 mil. Como os Fiagros têm 85% de investidores pessoas físicas, os fundos focavam em CRIs e CRAs. Agora a mudança na regra abriu um novo mercado para esses papéis. Se a tributação de 5% dos títulos isentos passar, o ex-secretário de Agricultura espera aumento nas emissões de LCAs, porque o risco será ligado ao banco emissor, o que torna mais atraente para pessoas físicas.


Embora a inadimplência dos CRSs tenha dobrado em 2025, dados da Uqbar, plataforma de inteligência de
mercado, mostram que ainda é pequena: em janeiro era de 1,3% e em maio subiu a 2,92% em um estoque total de R$ 123,33 bilhões em créditos. Segundo o Banco Central (BC), o crédito rural com recursos direcionados para
pessoa física somava R$ 539,8 bilhões em junho, com expansão anual de 7,5%. Já na pessoa jurídica eram mais R$ 99,3 bilhões, alta de 9,4%. Na pessoa física, a inadimplência subiu de 1,5% para 3,5% em um ano. Em pessoas
jurídicas, flutua entre 0,3% e 0,4% desde 2022, ainda conforme os dados do BC.


“Os CRAs são os mais robustos em proteção a investidores e transparência”, diz Alfredo Marrucho, diretor da
empresa. “As recuperações judiciais chamaram a atenção, mas são uma fração mínima do total emitido.”
Segundo ele, mesmo assim o ano fechará em queda frente a 2024, ainda que o segundo semestre repita o
desempenho do primeiro. Incluindo julho e agosto na conta, o total já passa de R$ 18 bilhões. “Mas o agro precisa de recursos, o Plano Safra e outros subsidiados não são suficientes.”

No mês passado, o governo informou que o Plano Safra 25/26 será de R$ 594,4 bilhões, apenas 1,69% acima dos
R$ 584,5 bilhões da safra anterior. Marrucho vê tendência de aumento na procura pelo mercado secundário,
diante da ameaça de tributação a partir de janeiro. No primeiro semestre de 2025, o volume financeiro foi de R$
26,6 bilhões de acordo com a Uqbar, frente a R$ 23,3 bilhões de igual período de 2023.
Octaciano Neto está otimista. “Vamos ter novas emissões, mercado está voltando”, avalia. Ele estudou o impacto do tarifaço dos EUA e constatou que somente os preços da manga caíram 61%. Boi gordo, café arábica, laranja e
tilápia tiveram quedas entre 2,59% e 6,07% em julho de 2025. “Só 6% da produção do agro foi para os Estados
Unidos no ano passado. Temos casos específicos mas no geral a representatividade é pequena.”
Vitor Duarte, diretor de investimentos da Suno Asset, também se mantém otimista. “A figura do CRA diminuiu, a da CPR aumentou, quase com uma anulando a outra, mostrando que o CRA é só uma casca, é só um formato, o que importa é o que está se vendo em crédito”, diz. Ele ressalta que quem chega primeiro ao mercado de capitais são os maiores, mas a participação de outros instrumentos tem aumentado. “A alternativa do pequeno produtor é a mesma de outrora, o crédito subsidiado. As linhas do Plano Safra são repassadas pelos bancos e eles tomam de forma complementar através dos bancos com quem eles já têm relacionamento e cooperativas de crédito. A inadimplência dos pequenos quem sente são os bancos.”

Fonte: https://valor.globo.com/financas/noticia/2025/08/19/cras-ficam-mais-restritos-a-grandes-empresas.ghtml

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